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Uma nota sobre Cultura, por Christopher Dawson



    O historiador e filósofo da história Christopher Dawson, no capítulo dois de seu livro "A formação da Cristandade" [1], apresenta aos leitores um insight sobre Cultura. É importantíssimo para os leitores de Dawson ou para os curiosos sobre o tema da cultura, compreender alguns pontos tratados por este autor, que rege boa parte de sua extensa obra para fazer história. Para mais informações sobre Dawson [clique aqui]. 


Uma definição inicial     Cultura pode ser definido como tudo o que o homem aprendeu do passado via processo de imitação, educação e aprendizagem e tudo aquilo que passa adiante como costume para os descendentes e sucessores. Neste sentido, seria impossível dissociar o indivíduo de sua cultura e herança social. 


Exemplo: se tentássemos retirar a cultura de um indivíduo, teríamos um sujeito estúpido, a viver num mundo primitivo, inferior ao das feras, já que não teria mais orientação dos extintos, base do comportamento animal. 


    Deste modo, Dawson ensina que toda a sociedade humana é uma cultura. E, o que cria a sociedade é um processo cultural ou tradição. Para o autor, a categoria "civilização" também é uma cultura, só que maior e mais complexa. Seria uma arbitragem a distinção de cultura e civilização, pois, ele compreende a civilização como um estágio de cultura mais elevado, associado ao crescimento das cidades e o uso da escrita. 

Como surgiu a cultura?

    Para responder essa pergunta Dawson cita primeiramente Aristóteles, da qual o filósofo grego distingue os outros animais do ser humano pelo fato deste ser dotado de fala. A língua, neste contexto, é o portal para o mundo humano. Exemplo, é a possibilidade de ensinar um macaco a andar de bicicleta, mas a impossibilidade de fazê-lo falar. 

    Isso sugere algo fundamental: é o idioma e não as ferramentas a característica da humanidade. É a fala que cria a cultura. 

    Embora não se saiba quando aconteceu o surgimento da língua na história, Dawson explica que os estudos demonstram que os povos antigos tem um impressionante grau de desenvolvimento e complexidade. Então, foi somente por intermédio da língua que o homem pode transmitir a memória da experiência passada para as gerações futuras e, deste modo, gerar o acúmulo de conhecimento que é a condição da cultura. 


    Em Christopher Dawson, a língua, mais do que qualquer outro modo de imitação ou aprendizado, é o grande veículo de tradição e o meio da comunicação social, e são esses dois fatores importantes que tornam possível a cultura humana. 


A importância da língua

    O autor enxerga na "língua" o grande motor de veículo de tradição e meio de comunicação social, possibilitando a cultura, isso porque é a língua que permite o homem pensar, o faz criar um novo mundo de imaginação e razão. Esse mundo inteligível e psicológico não é menos importante para a cultura que o mundo exterior de atividades sociais e econômicas. Um influencia o outro, a cultura representa o todo complexo da vida e do pensamento - modos de comportamento, formas de crença, padrões e valores, técnicas, símbolos e instituições - que constituem a vida da comunidade. 


    Para Dawson a língua não é simplesmente compilação de palavras, mas ela é uma organização simbólica, criativa e autônoma que pode ser comparada a um sistema matemático. Do mesmo modo, a cultura não é uma simples coletâneas de tradições (costumes, hábitos, instituições e crenças), é um sistema organizado de vida social e um comportamento com leis próprias e princípios de desenvolvimento. que são distintos das forças ecológicas, geográficas e biológicas externas que condicionam sua existência. 

    Portanto, a cultura e a língua juntos, são o único mundo que o homem está consciente. Mundo produzido pela capacidade da criatividade humana e de sua comunicação simbólica. O indivíduo, é claro, não está ciente disso, já que tanto a cultura e linguagem são processos inconscientes nos quais os homens estão imersos desde a mais terna infância e que são a base das primeiras atividades sociais e individuais. 


    Em suma, uma cultura se parece mais com a língua do que com a raça. Uma cultura é um modo particular de comportamento desenvolvido por um grupo de homens que os permite ter sucesso na vida, dadas as circunstâncias particulares e o ambiente. Em si, a língua é uma parte da cultura, mas uma parte fundamental.     

Definição de cultura

    Agora, podemos definir de uma maneira melhor o que é Cultura para Dawson: ela é um modo de vida comum pelo qual o homem se ajusta ao ambiente natural e às necessidades econômicas. A língua amplia a herança física do sangue pela herança espiritual da memória e tradição, que torna a comunidade consciente da própria existência do passado, de sua continuidade e experiência histórica, possibilitando generalizar invenções individuais e transmitir técnicas adquiridas. 

    Essa definição é importante para compreender que as mais simples formas de cultura não estavam limitadas a finalidades materiais e utilitaristas, pois para um homem primitivo, uma prece ou uma fórmula mágica poderiam ser mais "úteis" e, mais poderosas, do que uma enxada ou uma cabana. Desde as origens, a cultura humana sempre foi útil e dinâmica, mas já que a língua se encontra na raiz da cultura, o dinamismo desta está incorporado no poder da palavra.

 

    É por isso que dar e conhecer os nomes parece encerrar, para os povos primitivos, um elemento de poder e controle sobre a coisa nomeada. Arte, gestos e língua estão intimamente relacionados como formas de comunicação simbólica, mas a língua é a mais importante visto que interpenetra no todo da cultura e não há nada na cultura que não esteja refletido nela. 


O Caminho da Cultura

    A Cultura, que é possível pela linguagem humana, que carrega símbolos e transmite de forma dinâmica a consciência de ajuste do ambiente do ser humano, não é um sistema fechado. Ou seja, não há uma cultura única, e mais, todas as culturas são diferentes e possuem forças de expansão e mudança, de adaptação e assimilação, que não existem em outras formas de vida.. Pois uma cultura é um sistema aberto, não só para novas conhecimentos e modos de comportamento, mas também para outras culturas, caso seja estabelecido uma ponte de comunicação e contato social entre elas. 

    É possível essa assimilação da cultura justamente porque o ser humano não está atrelado a cultura pelo instinto ou hábitos inatos, mas pela educação. Por isso, Dawson explica que os indivíduos podem ser transferidos de uma para outra cultura por um processo de reeducação e adaptação social. O mundo dos homens é dividido numa multiplicidade de culturas diferentes e separadas, mas capazes de comunicação. É por isso, que um povo ou classe conquistadora, pode unir diferentes culturas em uma mesma estrutura política comum, tendo por base os impostos ou a servidão. E, este pode ser até o ponto de partida de um processo de difusão cultural e de fusão que, em última análise, produz uma nova cultura. 


Os 4 fatores necessários para existência da cultura

    Dawson traça quatro fatores fundamentais para existência de uma cultura, são eles: 

  1. o fator sociológico, ou o princípio da organização social: sem a base da estrutura de uma sociedade e a natureza da unidade social, não temos bases concretas para o estuda da cultura. Cultura e sociedade são aspectos interdependentes de uma realidade, e uma não pode existir sem a outra. Por exemplo, a família biológica existe até entre os animas, mas a família humana é uma unidade cultural, pois além de ser o centro de um sistema organizado de relações sociais é a base de uma superestrutura cultural elaborada. 

  2. o fator geográfico ou ecológico - a adaptação da cultura ao meio ambiente físico.

  3. o fator econômico - a relação entre o "modo de vida" do homem e a maneira como "ganha seu sustento" Para o fator geográfico e econômico podemos citar o "bando" ou os esquimós. Mas, nacionalidade não é cultura, pois nacionalidade é apenas um rótulo que simplifica a complexidade de realidades culturais de modo a se conformarem ao padrão unitário do Estado moderno, enquanto, ao mesmo tempo, representa a volta a ideias primitivas de grande poder de atração, como as antigas unidades tribais, o mito do sangue e dos ancestrais comuns.

  4. o fator moral - a regra da vida humana em conformidade com alguns sistemas de valor e padrões de comportamento.

    A verdadeira unidade da cultura não se dá no território, no sangue ou na classe ou função econômica, cada um desses fatores tem importância; no entanto, além destes elementos parciais de uma comunidade, uma cultura é, também e, sobretudo, uma ordem moral e encerra uma comunidade de valores e padrões que oferecem um princípio de unidade interna e moral. 

A Cultura e a Religião

    Neste ponto reside a grande tese dawsoniana. Apesar da importância do território, sangue, classe ou função econômica para a unidade da cultura, o autor vê estes elementos como parciais de uma comunidade. Dawson verá na religião o grande princípio que mantem a unidade da cultura. Sendo assim, a religião é a grande possibilitadora de difusão cultural. 

    Para ele, há uma ligação entre a vida da sociedade humana e a vida da natureza ou na crença de que são forças sagradas e misteriosas das quais tanto a natureza quanto o homem são dependentes. O mais alto grau de importância social está relacionado aos ritos e cerimônias sagradas pelas quais pode ser obtida a ajuda das potências superiores e o ordenamento da vida humana pode ser coordenado com o ciclo da natureza. A cultura primitiva é uma complexa e entrelaçada estrutura de ritos e técnicas sagradas, símbolos, mitos, crenças e tradições, padrões morais e normas de comportamento que une as pessoas como uma unidade moral. 


    Dentro dessa unidade o indivíduo passa toda a vida. Isso lhe confere posição social e função, ensina o que fazer e o porquê de fazer assim, e confere um senso de participação em uma comunidade que transcende a sua experiência pessoal. Vale lembrar que a cultura primitiva é inteligível somente para si mesma. Ou seja, para o mundo exterior não possui significado e valor. 

Um exemplo é que quando o primitivo está executando os grandes ritos de renovação mundial que restabelecem a vida da Terra e evitam a fome e os terremos, o estrangeiro nada vê além de um grupo de selvagens maltrapilhos que se movem em círculos, fazem gestos estranhos e emitem sons ininteligíveis. Mas, essa cultura primitiva isolada e frágil, pode conseguir uma dinâmica que rompe as barreiras entre os homens e cria uma área cada vez maior de comunicação.


    Ou seja, para Dawson, cada instituição social representa uma tradição social estereotipada; tribos, nações e Estados são corporificação de tradições sociais contínuas. Mas, o que fica evidente em difusão da cultura é a religião. Pois, cada religião humana, da mais simples a mais elevada, é uma tradição espiritual e, por meio dessas tradições espirituais, é que o homem, primeiramente, adquire a consciência da cultura. 


    O autor utiliza como exemplo a ascensão de culturas mais adiantadas no Oriente Próximo, como também na América Central num período muito posterior, que está intimamente relacionada ao desenvolvimento da instituição do templo e do sacerdócio do templo, ou seja, uma classe profissional especialista dedicado a manutenção de um ritual sagrado. A própria invenção da escrita, foi obra desta classe, do qual a tradição religiosa se tornou a fonte da tradição histórica em sentido estrito. 

    O que é evidente e regra para Dawson é que toda a difusão cultural material é acompanhada por certa difusão espiritual. 


    Por isso, será as culturas das grandes religiões mundiais que moldam o curso da civilização e possuem uma espécie de posição supercultural. Para o autor, as seis ou sete grandes religiões da história são o fator unificador na civilização do mundo (ocidente: islamismo, judaísmo, cristianismo; Oriente: confucionismo, bramanismo, budismo e zoroastrismo). São, por assim dizer, essas religiões as estradas espirituais que levam a humanidade ao longo da história, da remota Antiguidade até os tempos modernos. 


 

Notas:

[1] O título do capítulo 2 é "O Cristianismo e a História da Cultura".

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